sexta-feira, julho 29, 2005

Despertar














Acordou com o cantar dos pássaros, naquela altura em que o mundo se cala para os ouvir. Ao correr o fecho, a tenda foi invadida pelo ar fresco e puro da manhã. Tinha chovido durante a noite e as folhas que caíram formavam um tapete brilhante. O fogo da noite anterior era agora um amontoado de pedras pretas. À volta dele tinham jantado, bebido, conversado, partilhado. Umas vezes exaltados, outras não, falaram sobre tudo aquilo que lhes atormenta o pensamento. O vinho cumpria o seu propósito e soltava as jovens cabecinhas. Viajaram pelo universo das dúvidas terrenas e buscaram um sentido global nas experiências individuais.
Admirou os raios tímidos que reflectiam o verde mais verde que alguma vez já tinha visto. Sentiu que o homem que acordara não era o mesmo do dia anterior.

segunda-feira, julho 11, 2005

Floresta de Abetos 2
















"Abetos", por mim.



Segues sempre a direito no trilho sinuoso. Na tua vida, nunca tiveste um objectivo preciso, os objectivos que te fixaste modificaram-se com o tempo, não pararam de mudar e, afinal, nunca os tiveste. Reflectindo bem, o objectivo último da vida humana não tem importância, é como um enxame de abelhas. Deixá-lo provoca remorsos, mas apanhá-lo causa a maior desordem nos insectos, mais vale deixá-lo onde está e observá-lo sem lhe tocar. Com este pensamento, sentes-te mais leve, pouco importa onde vais, na condição que a paisagem seja bela.

Gao Xingjian, “A Montanha da Alma”.

Floresta de Abetos 1

Está um dia belíssimo, um céu sem nuvens. O brilho e a profundidade da abóbada celeste deixam-te mudo de admiraração. Em baixo, uma aldeia isolada com as suas casas sobre estacas apoiadas na falésia, como um enxame de abelhas agarrado a uma rocha. É um sonho, andas às voltas, perto da montanha, sem encontrar o mais pequeno trilho para lá chegar. Tens a impressão que te aproximas da aldeia, mas, de facto, estás a afastar-te. Estas idas e voltas fazem-te perder tempo e tu desistes. Avanças ao acaso e a aldeia desaparece atrás dos montes. De qualquer modo, sentes um vago remorso. Não sabes onde vai ter o caminho por onde segues, embora não tenhas um objectivo preciso.

Gao Xingjian, “A Montanha da Alma”.